Segunda-feira 1 de maio de 2018 | Presidente Prudente/SP

"Totó", um conto do escritor Rubens Shirassu

*Rubens Shirassu Júnior

Em 26/01/2016 às 08:24

(Foto: Ilustração)

Um bicho que anda de quatro, a língua de fora, aos pulos, sobe na árvore com a agilidade do mico. No fundo do quintal, arrasta a coleira pelo chão. Cabeça bem pequena, nariz purpurino, um guincho selvagem. Mesmo arredio, resiste a cortar unha ou pelos.

Tanto crescem as unhas, como gato ligeiro segurando um pedaço de carne. A mãe é chamada que lhe amarra no gancho do pilar da área de serviços. Depois, apara as unhas e rapa os pelos do seu peito e do dorso.

Dona Valquíria enche o seu prato. Ele espalha a comida no chão, fervilhando de formiga marrom avermelhada. Estala algumas nos dois caninos risonhos sobressaindo a gengiva vermelha.

Ao calor das três da tarde, dormia os vizinhos sob o zumbido das moscas. Totó corre de um lado para outro, toda a língua de fora. Chama a pombinha que procura pipocas no terreno. Nem pisca os olhos, pois são semicerrados, a flor de espuma no canto da boca. Imita os saltos do sapo barrigudo.

Numa noite de lua cheia, apresenta serenata, chiando, na janela, porque a mulher do vizinho pegou nos seus dedos enormes e espessos: - Tadinho, do meu ursinho panda! Um momento intenso para que a adorasse.

Contempla através do telado, a mulher curvada esfrega as roupas no tanque, eleva parte do vestido. Duas mangas rosa se destacam no arranjo florido do vestido. Os longos cabelos encobrem a visão da moça. Ele baixa imediatamente o calção largo, atrás da tela de proteção, ronco feio na garganta, um comichão atrita o nervo como fogos de artifício que estoura nas comemorações. Mas não avança o muro que divide as moradias. A moça não sai do lugar, atenta ao serviço doméstico.

Eis que Simeão, seu pai, resmunga que esqueceu de preparar um porco para festa de Natal e à passagem de Ano Novo: - Esse Duroc safado, eu fatio! Além disso, mongolóide e inútil! O coração de Totó, à sombra do muro, batia acelerado e mais alto que o sino da igreja matriz.

Simeão segura firme a foice bem amolada, em golpe preciso risca-lhe a barriga rosada, ao escoar as vísceras, baba-se de gozo. Assusta a cachorra cinzenta que anda em círculos na horta.

Os olhos amendoados e fixos de Totó elevam-se, além do muro, para avistar a pombinha branca.

*Rubens Shirassu Júnior é escritor

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